miércoles, diciembre 01, 2010

destino canções pros teus olhos vermelhos

...querida nunca mais se deixe esquecer
onde nasce e mora todo o amor.

Trovoa - Mauricio Pereira

A cidade é cinza, como porto alegre deve ser no inverno, embora seja verão. Choveu o dia todo e a semana toda e ontem choveu muito mais do que todos os outros dias. Hoje porto alegre tinha cheiro de pós-chuva.

Lá dentro intelectuais discutem marginalidade na literatura brasileira enquanto bebem vinho e chopp e coca com gelo e limão e água mineral e suco natural de laranja sem gelo. E fumam. Marlboro Lucky Strike Carlton (que agora é Dunhill) e talvez Free.


Pela janela eu vejo ela passando com seu cachorro e seu namorado (acho que eu não tenho mais tempo pra ter vontade de desejar alguém).


Roubaram três carros e um menino foi buscar sua bola que atravessou a rua. Parou no corredor de ônibus. Agora só pode fumar na sacada. Ela toma mais uma taça de vinho. Eu queria tomar uma taça de vinho, mas tomo uma coca com gelo e limão. E fumo na sacada.

Roubaram mais um carro.


Pela janela eu vejo ela entrando no parque e balançando os cabelos. E isso me faz sorrir (acho que ainda tenho tempo pra tudo o que eu quiser, embora tente ocupar meu tempo com coisas sempre óbvias e práticas).


(às 8 da noite
eu fumo um marlboro na rua como todo mundo

e como você
eu sei
quer dizer
eu acho que sei…
eu acho que sei…)



Eu queria ter pego um casaco pra poder voltar a pé. Dentro do ônibus só tem eu o cobrador e o motorista. Eu queria acender um cigarro (sempre quero acender cigarros, muito mais do que fumar os acesos).

Vou passar no mercado e comprar um vinho. E quando chegar em casa vou fumar um Derby na janela bebendo vinho e olhando o prédio do lado que não é cinza, é branco.

E vou deitar e me dar tempo pra ter vontade de desejar alguém.


martes, noviembre 16, 2010

vidro barato

rôo minhas unhas
vendo um musical antigo
quem dera tuas unhas
na minha pele
rasgando de dentro de mim
essa angústia.

...

gosto do que dilacera
gosto da expressão dilacerar
gosto de cortes
acho bonito a marca
acho sincero
tudo que fica pra depois.

...

não queria uma taça de vinho
nem um disco de jazz
nada mais patético
em uma madrugada
que os vidros embaçam
pela chuva que insiste em cair.

..

nessa cidade vazia
tudo é calma
tudo vacila
tudo cai
tudo espatifa
como vidro barato
tudo corta
e machuca
como vidro barato.

miércoles, agosto 18, 2010

confesso:

me sinto patético
nessa cama
meio paralítico
confesso
como se fosse doente
não mexo as pernas
nem o cérebro
me deixo assim abatido
mais um dia
menos uma vida

até o pôr-do-sol
do outro dia
e meu cobertor no inverno
agora a cama vazia
nem o cheiro de café
nenhum abraço
nenhuma chegada
e nenhuma partida

me sinto completo
nessa cama
meio abstrato
confesso
como se fosse perfeito
não mexo as pernas
nem o cérebro
me deixo assim abatido
menos um dia
mais uma vida

até o nascer do sol
desse dia
e meu cobertor no inverno
agora a cama vazia
sinto o cheiro do café
me dá um abraço
e só mais um chegada
e outra partida

lunes, julio 19, 2010

talvez eles tenham razão.

Faz tempo que ele queria dizer a ela que em dias de chuva sente saudade do que eles nunca tiveram, mas poderiam ter.

Então ele senta em sua poltrona e chora calmamente como se não tivesse mais nenhum dia pela frente e todo o seu destino já tivesse sido traçado e por isso não pudesse tomar mais nenhuma atitude para mudar o futuro, e construir algo novo, doce e encantador, embora saiba que tudo isso não passa de uma grande bobagem, e o que realmente importa é mudar o passado e desfazer todos seus erros.


Por isso tomo uma caneca de água como se fosse lavar as inquietações.

E pensar no que falar é o que resta.

Pois quando os cigarros acabam ainda é melhor do que quando acaba a vontade de fumar.

E vontade de fumar era só o que ele tinha naquela segunda feira chata e sem muita cor.

Aquele dia de chuva.


Onde me sinto mal por não ter tido a coragem que nunca tenho.

Me falta dar apenas um passo, mas as pernas sempre pesam como roupa molhada.

Me falta a vontade do esforço.

Pois quero tudo fácil e o que é fácil me desinteressa.


Talvez eles tenham razão.


Faz tempo que ele queria dizer a ela que em dias de chuva ele sente tudo o que não sentiu em outros dias.

...



domingo, mayo 02, 2010

como algo que acaricia.

Foi quando ele desceu as escadas que notei que havia algo estranho. Queria ter pedido pra ele voltar, mas não tive coragem e nem sei se queria que voltasse, na verdade, queria que nunca tivesse ido embora, que nunca tivesse tido motivos pra ir embora. Que nunca tivesse deixado de estar aqui em mim e eu nunca tivesse deixado de estar ali nele, como algo que acaricia, mas não sufoca.

Devia ter gritado, mas o grito só surgiu quando a ultima porta já havia batido e já não havia mais possibilidade alguma de que ele ouvisse meu grito, mesmo que usasse todas minhas forças e ficasse rouco e quebrasse vidros e rasgasse o ar de forma estridente. Ele não ouviria, porque naquela altura já estávamos surdos. Os dois. Como se as minhas palavras e as palavras dele soassem no ar como signos indecifráveis de outras línguas, línguas tribais e antigas que há muito tempo perdemos a capacidade de decifrar, pois há muito tempo perdemos a capacidade de nos decifrar.

E foi quando sentei e acendi um cigarro que notei tudo o que há tempos era indecifrável. E notei a falta que ele me fazia e tudo que gostaria e deveria dizer pra que ele nunca tivesse ido embora, e pra que ele nunca tivesse motivos pra ir embora, e também pra que nunca tivesse deixado de estar aqui em mim, e que eu nunca tivesse deixado de estar ali nele, como algo que acaricia.

E não deve nunca sufocar.