domingo, diciembre 06, 2009

CRIME PASSIONAL

Matou ela com dois tiros na cabeça e um no coração, simbólico. Depois suicidou. Crime passional. Gente rica, bairro rico, crime rico, escândalo rico.

Duas e quarenta e sete da madrugada do dia três de setembro de mil novecentos e noventa e quatro. Ele caminha com as mãos no bolso pela avenida principal. Eu devo existir simultaneamente no futuro e no passado, o tempo é uma farsa e não faz sentido nenhum. Eu vou viajar no tempo e não entendo de moléculas. A imensidão do universo não me fascina. Se eu tivesse com ela tudo seria diferente. Não, eu não tenho um trocado. É tarde demais pra se caminhar por aí. A gente não devia ter brigado. É tudo trivialidade. São tudo pequenas coisas, e eu não sei se vão passar.
Talvez ele sinta fome ou sede, talvez ele esteja cansado e com medo, mas ele precisa fazer isso, ele precisa dormir tranqüilo. Ele sente tanta saudade quanto é possível alguém sentir saudade em uma madrugada de qualquer dia, não importa o dia. Talvez ela não sinta. Ela não é a personagem principal e seus sentimentos não entram em questão por enquanto. Porque ela ainda não apareceu e seria bobagem apressar as coisas. Porque Caio disse que o tempo existe e devora. É abstrato, mas didaticamente concreto.
Ele para por um instante pra acender um cigarro. Continua subindo a avenida e resolve correr um pouco, pra exercitar. Eu detesto exercícios e não tenho fôlego pra correr em uma lomba. Eu faria abdominais se não tivesse na rua de madrugada e não fosse um tanto quanto perigoso. Tenho aqueles pensamentos de: não me importa o que me aconteça, que me assaltem, matem, seqüestrem, façam qualquer coisa. Besteira. Tenho muito medo. É a única coisa que tenho total certeza de que tenho. To com dor nas costas e com fome. Daqui a pouco eu chego lá.
Ele continua caminhando.

Agora os sentimentos dela entram em questão: ela não sente muita coisa no momento, é tarde e tá dormindo. Amanhã acorda cedo, as seis, são três e dez. Mais duas horas e cinqüenta minutos de sono. Duas e quarenta e nove. Duas e quarenta e oito. Duas e quarenta e sete.

Três e treze da madrugada do dia três de setembro de mil novecentos e noventa e quatro. Ele caminha com as mãos no bolso pela rua da casa dela. Vou tocar a campainha e conversar. A gente vai se entender. Não quero mais brigar, não quero mais gritar, não quero mais nada dessas coisas exageradas. Eu sei que é tarde e é um exagero bater na casa dela a essa hora, mas não agüento mais. Quero resolver tudo, quero um abraço apertado, um banho quente e dormir juntinho na cama de solteiro. Acordar e fazer café da manhã.

Ele passa pelo bar da esquina e entre bêbados, mendigos e trabalhadores noturnos ele para e presta atenção na TV.

Notícia urgente: Matou ela com dois tiros na cabeça e um no coração, simbólico. Depois suicidou. Crime passional. Gente rica, bairro rico, crime rico, escândalo rico.

Essa cidade anda cada vez mais violenta.