lunes, abril 07, 2008

QUATRO

O LUGAR

Não lembro como nem quando viemos parar aqui, mas talvez a pergunta certa fosse por que. São quatro casas, cada uma com quatro peças, cada peça com quatro paredes. Um banheiro, uma cozinha e duas peças vazias, espécies de sala-quarto, quarto-sala. Em cada casa habitam quatro pessoas e a única ligação que as quatro pessoas de uma casa têm com as quatro de outra, são as sombras. Grandes sombras longas que se projetam nas grandes paredes de vidro que forram uma das quatro paredes das salas-quarto.
Como ninguém havia se visto antes, no princípio, era confuso: foram quatro dias sem ninguém falar uma palavra. Quatro dias de silêncio cortado apenas por um ruído aqui e outro ali, de galhos balançando no quintal que nenhuma das dezesseis pessoas conhecia ou sabia que existia. No começo os ruídos assustavam, mas ninguém falava nada, todos se contorciam dentro de si e evitavam ao máximo qualquer contato com os outros. Todos fechavam os olhos, mesmo sem saber se os outros fechavam também, porque pode ser perigoso o que se transmite através do olhar, e ninguém queria transmitir medo, nem nada.
E então o silêncio foi rompido com uma pessoa se lançando contra a janela de vidro, uma de cada casa. Quatro estrondos simultâneos que formavam um só estrondo. Uma massa sonora rompendo o silêncio quase eterno de quatro dias.
Nenhuma parede se quebrou, mas dali em diante as pessoas levantaram, foram ao banheiro, à cozinha, aos quartos. Caminharam, comeram, beberam, fumaram, normalmente, ainda que em silêncio.

CONTATO

Ele perguntou o nome da outra pessoa, mas ela não respondeu. No momento o que importava era manter certo contato, qualquer. O que importava, e era o que ele pensava, era armar uma estratégia pra eles poderem escapar daquela prisão, se é que era uma prisão. Porque não me respondem? Gritou.
Estamos com medo. Ela respondeu
Olhando mais atentamente, agora ele percebeu: eram dois homens, ele e mais um, e duas mulheres. Uma das mulheres tinha um rosto conhecido, mas ele não reconheceu. Reconheceu nela um sentimento, e é provável que ela também tenha reconhecido, pois se abraçaram e permaneceram abraçados em silêncio, se protegendo.

DIÁLOGO

Tem comida o suficiente.

Não, nós precisamos economizar.

Não sabemos quanto tempo, não temos nenhuma pista.

Cigarros têm pouco.

Tem pouca bebida também. Eu preciso beber.

Pelo menos vocês estão falando.

Tínhamos medo de vocês não nos aceitarem.

Estamos na mesma condição. Precisamos nos aceitar.

Os vínculos. As duplas. Já existiam antes. Eu acho. Eu senti a ligação. Precisamos nos ligar os quatro. Só assim sairemos vivos. Só assim sairemos.

Os outros podem nos ouvir. Deles ainda tenho medo.

Vem cá. Me abraça. Abraça ele também. E ela.

Me dá mais um cigarro.

Eles são inimigos.

Eles são inimigos?

CONFORTO

Não lembro como nem quando viemos parar aqui, mas talvez a pergunta certa fosse por que. Porque era preciso. Uma delas disse. Por que era preciso.
Talvez nem existam outras três casas. Lembram das sombras? Talvez tudo seja reflexo. Talvez eles também sejam nós. Ou talvez eles não sejam eles – sejam simplesmente, nós.
Mas precisavam tirar as dúvidas, precisavam descobrir o que havia além da parede vidro, então:

os quatro foram até a parede
e com pouquíssima força a levantaram
encontraram o quintal
e sem dizer uma palavra novamente
se separaram.


Agora nada é mais é confuso. Tudo é claro.
Agora eram livres, mas a ligação vai sempre permanecer, e além da ligação vai permanecer a dúvida: de que serve ser livre? Talvez fosse melhor ficar lá dentro, afinal, já tinham se
acostumado.