martes, diciembre 05, 2006

Cinco anos ou cinco minutos

Póstumo
Fez o que queria de mim, nunca desconfiei. Mas levando em consideração o fascínio que ela exercia sobre mim, terminei feliz. Tinha um olhar doce e dissimulado ao mesmo tempo, entende? Um olhar equilibrado. E era equilibrada não só no olhar, mas em todas as atitudes, nas roupas, nos acessórios. Elegante, até demais.
Ninguém segurava o cigarro como ela. Em todas as milhares de fotos que tinha dela, ela estava segurando um cigarro.
E eu olhava as fotos dela por horas, todos os dias. A obsessão não tem limites.

7 de Julho de 1996 – 03:40am
Ele dormia feito uma criança quando acordara de súbito no início da madrugada, mais precisamente duas horas; acabara de perder o sono. Levantou-se e foi até a cozinha buscar algo para beber, pois sua boca estava seca, pensou em um copo d’água como era de costume, mas sentiu uma incrível vontade de beber um cálice de vinho, obedecendo à suas tentações serviu o cálice e voltou para o quarto.
Analisava a fotografia e entre um cálice e outro lembrava que já havia bebido demais, vestiu-se de súbito e em um impulso de sobriedade lembrou de levar um casaco.
Caminhava com cautela, a madrugada vazia e fria dava uma estranha sensação de prazer...de solidão. De prazerosa solidão. Não havia ninguém com ele a não ser os seus pensamentos, os seus desejos, seus sonhos.
Passavam alguns mendigos e alguns cachorros, mas não falavam, não agiam, passavam. Eram apenas figurantes.
Misturava-se aos mendigos e aos cachorros em uma tentativa desesperada de ser um figurante, de camuflar-se. Havia um bar aberto ainda? Havia um bar aberto ainda, e era onde ele iria parar.
Ela estava na outra mesa. Fumando e bebendo. Era provocante. Tinha algo de cinismo misturado com luxuria em seu olhar (tudo muito irônico)

Cinco anos ou cinco minutos depois
Tiraste conclusões precipitadas sobre minha pessoa, jamais conhecerá criatura tão doce e delicada quanto essa que vos fala. Conheceste-me em um momento um tanto quanto simplório de minha existência, estava eu, embriagada.

15 de Novembro de 2006
Ele pisca compulsivamente olhando para os lados e passando a mão nos cabelos.

- Que houve Renato?
- Você anda tão fria comigo, ontem, hoje, ultimamente...
- Passa a manteiga...
- Não evite o assunto.
- (silêncio) Nosso filho, tô preocupada...
- Que tem ele?
- Ele, ahn...ele só vê desenho e come cereais, o dia todo!
- Ora... Ele tem seis anos, é próprio da idade
- (sorrisos) Sabe Renato, quem sabe deveríamos ser mais rígidos com o guri, aquelas coisas todas, sem refrigerante e balinhas nos dias de semana, apenas uma hora de desenho por dia, essas coisas...
- Não funcionaria, meu bem. Estamos velhos, sabe, meus cabelos estão brancos, minha barriga tá crescendo, não dá mais pra ficar se preocupando com besteiras como a educação dos filhos. E depois, a televisão hoje em dia educa pela gente, confio nela. Você inventa problemas demais.
- Renato, eu tô te traindo.
- Me passa a manteiga...

03:45
As melhores coisas acontecem quando menos esperamos. Quando já desistimos de tudo e não temos mais pretensões nenhuma.
Resolveu ir ao banheiro. Ela levantou. Esbarraram. Então ela disse: tudo bem.
Ela era linda. Encheu-se de coragem e falou: tudo bem não, te pago uma bebida pra me desculpar.
Ela disse que estava atrasada. Ele disse que ela não tinha escolha.
Ela estava sendo receptiva, porque não tentar? Tu é linda, sabia? – ele disse.
Eu tenho namorado, sabia? – ela disse.
E então ele disse: tudo bem. Beijaram-se calmamente enquanto o garçom entregava as bebidas. Desencadeou-se, a partir daí, um romance que durou mais ou menos cinco anos, ou cinco minutos, dependendo do ponto de vista.

16 de Novembro de 2006
Domingo ensolarado. Quatro horas da tarde. Atravessava a Avenida João Pessoa para encontrar seus amigos no parque da Redenção. Sirenes. Gritos de o que aconteceu? (Sangue espalhado pelo asfalto).