viernes, mayo 19, 2006

Sempre.

Passeava pela rua na madrugada fria, caminhava sem saber nem para onde ia, mas caminhava, ou melhor, arrastava-se pela rua, pensava em parar em algum bar e beber algo, mas não bebia, hoje não bebia, não tinha vontade. Cantarolava baixo e sentia frio, seu terno cinza estava sujo.
Cansado sentou na calçada antes de voltar para casa, de segunda à sexta-feira, saía as oito e chegava as seis, menos nas sextas, nas sextas saía as oito e chegava as nove, dez, onze... sempre o mesmo chope, no mesmo bar, com os mesmo amigos, amigos da repartição, amigos sem alma, sem vida e sem cor. E era sempre a mesma conversa, e como anda o clima, quem tá comendo quem, como andam os filhos no colégio, a barriga do chefe, o bigode do Tavares, a camisa rosa do Soares.
Sempre a mesma ladainha quando chegava em casa: a mesma mulher, o mesmo futebol, o mesmo banho e o mesmo pijama, os mesmos filhos, o mesmo CD de samba, a mesma cerveja e o mesmo tédio.

Mas hoje seria diferente, nem era sexta e estava atrasado. Foda-se. Queria beber um copo de leite e conversar com o dono do bar, reclamar da vida e cantar no Jukebox. Fugir da rotina, extravasar.
Não amava sua esposa, não aturava seus filhos, detestava com todas as suas forças seus colegas de repartição, detestava a sua pasta e pensou em jogá-la no meio da rua. Sua pasta marrom não combinava com seu terno cinza, nem um pouco.
Pensava em voltar para casa e para os braços da Maria, amava sua Maria é verdade, amava a Maria que havia conhecido não sua esposa, amava a Maria que lhe dava forças e acreditava nos seus sonhos, e tudo isso na época em que ele também acreditava nos seus sonhos.
E em uma fração de segundos sua pasta já estava no meio da rua, sua gravata já estava solta, sua camisa desabotoada e seu paletó sujo no lixo.
Em uma fração de segundos estava saciado e decidido, era hora de voltar para casa, para os braços, cabelos, boca, dentes, pernas, coxas e ventre da Maria.

5 comentarios:

juliana dijo...

eu preciso comentar alguma coisa, mas como sempre hoje eu vou ser estúpida, apesar de relutar bastante pra - não, não foi pra não ser estupida - não ter de vir aqui.

como eu ja te disse eu adorei esse texto e ainda não entendi porque pensaste que eu não iria gostar dele, bem como outros assuntos que ficaram pendentes e eu não entendi (achaste que eu esqueceria né?).

estupida. de qualquer forma, ler isso me lembrou que nós, seres humanos, somos estupidamente acomodados e por um segundo o cara se revolta com todo o seu ócio de viver as mesmas coisas sempre e passado o segundo lá ia ele, sem a maleta e o terno é verdade, mas ia, de volta pra mesma rotina mediocre de sempre. anyway, a vida poderia ser feita desses segundos de realidade...

Chando, Lucas dijo...

hehehehe.
foi engraçado aquilo.



bom, eu gostei do texto. seguiu o propósito dele, foi bem escrito. mas não achei nada "uow!", mas bom.

ogima oçarba

O Gafa! dijo...

Se a vidatoda fôsse feita desses momentos, aí seria outra rotina! Uma coisa diferente de uma mesma coisa... Acho fundamental termos uma Rotina pra que sempre possamos fugir!






É difícil combinar Marrom com algo... Principalmente com Azul-Claro!

juliana dijo...

o comentario do gafa me lembrou o casaco marrom com azul claro da guria, que se não tivesse as listras ia ser bonito, lembra.

saudade de tomar café da manhã no botequinho. ;~
;@

O Gafa! dijo...

"Meu Psiquiatra disse que meu problema é querer retornar ao ventre!

...

Qualquer ventre que seja!"

Woody Allen