martes, mayo 01, 2007

Água

Acordo sobressaltado, olho o relógio: início de madrugada. Vou até a cozinha, abro a geladeira, um copo de água gelada. O clima está agradável e vou até a janela. De repente o grito. O estrondo. O sangue espalhado.
Eu bebia água na janela da cozinha no mesmo instante em que o meu vizinho do quinto andar suicidava-se. Suicidava-se? Tudo indica. Mas o mais correto seria: bebo água na janela da cozinha no mesmo instante em que o meu vizinho do quinto andar caía pela sua janela. Fração de segundos.
Os vizinhos acordados assustaram-se com o barulho - eu estava sentindo nojo daquele corpo estendido, mas não podia parar de olhar – os vizinhos acordados vieram ver o que aconteceu – da minha janela eu enxergava a cabeça que foi esmagada pela laje, enxergava a cabeça aberta e resíduos espalhados e sentia nojo – os vizinhos acordados chamaram uma ambulância. Não conseguia mais beber água, a náusea era absurda. Minha cabeça doía, meu estômago se contorcia. Não sentia mais meus músculos abdominais, mas não podia parar de olhar. Sentia dor e sentia nojo. Mas não podia parar de olhar.
Alguns minutos depois a ambulância chegou. Recolheu o corpo e levou embora. Alguém jogou água pela laje do pátio do condomínio.
Então eu voltei a dormir.